Uma aventura não tem de ser épica para ser bem apreciada, não tem de durar meses para se ter histórias para contar, e não tem de ser vivida com um amigo de longa data para se estar absolutamente à vontade. Esta viagem pela Escócia foi uma viagem e tanto, cheia de momentos para relembrar e para tentar não esquecer (este blog irá ajudar certamente a manter as memórias vivas).
Como referi num outro artigo, esta viagem à Escócia foi bastante espontânea, sem muito planeado, mas claro que Edimburgo teria de estar na lista de sítios de visita obrigatória. Vimos preços para lá chegar, e a capital da Escócia acabou por ser mesmo a rota mais barata de Cork. A primeira coisa a fazer foi decidir onde ficar, visto que iríamos chegar mais para o final do dia, depois…, foi aproveitar a cidade.
Um dos meus objectivos pessoais ao visitar Edimburgo, foi encontrar-me com um amigo de longa data que conheci na Grécia. Daqueles amigos que nos visitam vezes sem conta, em Portugal, na Irlanda, e que gostamos mesmo de os voltar a ver. Desta vez foi a minha vez de o visitar, um “tinha de ser” com grande prazer! Não foi nada “tem de ser porque sim“, mas sim “tem de ser porque assim o quero“. Não deu para muito, mas acabou por ser um café na manhã do segundo dia, e um café no último.
Já em relação à cidade, depois do pequeno-almoço fomos até ao castelo, que acabámos por não entrar pois tínhamos já planeada uma visita guiada pela cidade e provavelmente iríamos acabar por entrar no castelo. Demos uma volta pelo centro histórico a queimar tempo e também como reconhecimento para termos uma ideia de como o centro da cidade é.
Free tour por Edimburgo
À hora estipulada, lá estávamos nós prontos para a visita guiada grátis pela cidade! O nosso guia era bem eloquente, explicou em detalhe alguns dos momentos mais importantes da história da cidade, que em muito se resume a… mortos…
A ciência, nomeadamente as ciências médicas, têm um passado bastante obscuro, muito do que se sabe hoje não foi aprendido das melhoras formas… As práticas médicas de há 50 anos são bem diferentes das que são praticadas hoje em dia, e tudo se deve a muitos estudos e experiências.
No inicio do século XIX, Edimburgo era considerada como a capital universitária da medicina, muito se descobriu lá, muito se experimentou…, e muitas coisas bem sombrias também aconteceram por lá…
O roteiro pela cidade foi alimentado por contos reais de histórias que se passaram na cidade, uma dessas histórias narra a última execução pública na cidade de Edimburgo, em 1864, de George Bryce. O nosso guia tem mesmo o dom da palavra, e contar uma história tão horrífica como esta até deu para arrepiar, custa a imaginar como matar alguém era considerado um espectáculo de rua, mas esta última execução foi bem mais longe do que o esperado. Por maldade ou incompetência do executador, George em vez de morrer aquando o abrir do alçapão da forca, ficou em sofrimento por 40 minutos porque o comprimento da corda foi mal calculado. Até a população, sádica, achou desnecessário tanto sofrimento.
Mas nem todas as histórias de horror terminaram mal, exemplo disso é a famosa história de Maggie Dickson (que até tem um bar com esse nome), que foi condenada à morte por ter morto o seu filho, ainda que ela o negasse e as provas fossem inconclusivas, mas acabou mesmo sendo enforcada. Esteve 30 minutos pendurada, tal como ditava a lei, e depois disso o seu corpo foi movido para a sua terra. Pelo caminho, o condutor da carroça que levava o seu caixão ouviu uns sons, e quando parou a carroça confirmou esse mesmo som, Maggie não tinha morrido! Na época isso foi considerado como intervenção divida, e como tal perdoaram-lhe o crime, Maggie viveu mais 25 anos depois da sua morte…
E como não poderia deixar de ser, claro que teria de existir uma secção da rota dedicada a Harry Potter. Porquê? Porque J. K. Rowling viveu em Edimburgo, escreveu o primeiro livro na cidade e porque muita da inspiração de nomes de personagens e até de zonas populares dos livros são inspiradas em ruas de Edimburgo. Um desses locais é o cemitério Greyfriars Kirkyard, junto a uma escola que também inspirou JK para criar Hogwart’s. Demos uma volta pelo cemitério e foram-nos apontadas algumas campas, os nomes das pessoas que ali estão enterradas serviram como nomes de personagens do próprio livro, a maioria dessas personagens todas bem relevantes para a história, como o Lord Voldemort. Mas o que mais me deixou surpreendido com o cemitério, é uma história não tão conhecida, de um cão…
Greyfriars Bobby, mais um cão-lenda, mas não tão conhecido como Hachiko, mas também uma prova de fidelidade e de como os cães são de facto o melhor amigo do homem. Segundo as histórias, Bobby passou cerca de 14 anos, até à sua morte, sempre em cima da campa do seu falecido dono. Bobby morreu com 16 anos, ou seja, um cão de 2 anos apegou-se de tal forma ao seu dono que passou quase a sua vida toda em cima de uma campa… Se isto não é lealdade, então o que será? Mais uma história de mortes e cemitérios em Edimburgo, mas esta com uma grande base da amor. Há uns anos estive junto à estátua de Hachiko, desta vez vi a campa e a estátua de Bobby, história que até ao momento desconhecia por completo. É bom saber que também se dá grande valor aos animais, homenageando-os desta forma.
Em relação às visitas guiadas grátis, há duas coisas a ter em conta, primeiro, não são completamente grátis, estas pessoas dedicam imenso tempo para preparem estas histórias, e dedicam ainda mais tempo para as contar. É preciso terem grandes people-skills, saberem lidar com todos os tipos de pessoas e manterem os clientes sempre satisfeitos. No final damos um valor simbólico pelo trabalho que fizeram, e fica ao critério de cada um quanto se dá. Claro que há gente que nada dá, mas enfim… Quanto a esta visita em particular, adorei o sentido de humor, em muito me lembrou a personalidade dos irlandeses e a forma como gozam com os ingleses, os escoceses também têm uma história de rivalidade com os ingleses, e não faltaram piadas nesse sentido. Um passeio bem interessante, cultural e cheio de humor.
Depois da visita guiada, fomos passear um pouco mais pela cidade, fomos até à Galeria Nacional onde passámos um bom bocado, um pouco de arte para enriquecer a alma. Vimos algumas obras de artistas bem conhecidos, ainda estivemos umas duas horas lá por dentro, e dali demos um salto ao jardim mesmo ao lado para descansar um pouco. Foi muito andar e o cansaço apertava, e o dia seguinte ainda estava para vir.
Edimburgo à noite, ouvir lendas de meter medo
Quando se visita uma cidade com tanta história como Edimburgo, vale bem a pena investir um pouco mais de tempo e tentar aprender um pouco mais. A cidade é linda só por si, uma excelente cidade para explorar a pé e tirar algumas centenas de fotografias. Mas também vale bem a pena fazer algumas das excursões a pé. Algumas são pagas, outras são grátis. Nós fizemos uma das grátis, que no final damos o que acharmos que vale a pena dar, há quem nada dê…, mas não acho que seja justo fazer tal coisa. Mas esta foi a primeira vez que visitei a cidade desta forma, conhecer Edimburgo à noite.
A nossa experiência foi bastante interessante, a nossa guia mostrou uma capacidade excelente para contar histórias, muito teatral e cativante. Até nos convidou a fazer parte figurante das histórias dela, o que deu para quebrar o gelo e colocar toda a gente a rir. Claro está, eu fui uma dessas cobaias.
Durante todo o roteiro contou-nos histórias e lendas de uma cidade que outrora foi a capital universitária da medicina. Muito se avançou na área da medicina em Edimburgo, mas muito também devido a alguns horrores.
Assassinatos e roubos de campas
Na altura a ética era algo completamente descartável, os estudantes de medicina para praticarem precisavam de corpos, e a origem dos mesmos era completamente irrelevante. Graças a esta falta de ética, criou-se um negócio paralelo de assassinatos para fornecer os estudantes mais abastados com corpos para estudarem. Assassinatos, roubos de campas e quem sabe o quê mais.
Durante a visita algumas histórias em concreto foram contadas, verdadeiras ou apenas mitos? Não sei bem. Mas uma das que melhor me recordo, conta a história que as pessoas mais ricas eram enterradas com alguns dos seus pertences mais valiosos. Claro que isso servia ainda melhor os interesses dos assaltantes de campas, que além dos corpos também levavam os bens materiais com valor. Um desses corpos que assaltaram era de uma senhora rica, que tinha um anel ou aliança bem preso no dedo, então para o arrancarem decidiram cortar o dedo…, ao que a senhora acorda com dores. Afinal não estava morta!
Maggie meia-enforcada
Esta é uma das histórias mais conhecidas de Edimburgo, e uma que nos foi contada durante o passeio à noite. Uma história de “horror” mas com final feliz, quem não gosta de uma assim?
Margaret Dickson, conhecida por Maggie, foi uma mulher condenada à morte por conceber um bebé fora do casamento, e ele ter morrido.
Separada do seu marido, Maggie precisava de procurar trabalho e começou a trabalhar numa pousada-taverna. O filho do dono da taverna começou a ficar interessado nela, e passado pouco tempo ela ficou grávida. Para não prejudicar o seu trabalho manteve a gravidez em segredo. O bebé nasceu fraco e pouca saúde, e passados dias acabou por falecer.
Maggie, para proteger a sua reputação e trabalho não pode fazer um funeral ao bebé, então deixou-o no rio Tweed. Uns dias mais tarde o bebé foi encontrado, e as suspeitas recaíram sobre Maggie.
A 2 de Setembro de 1721 ela foi enforcada pelo crime de esconder uma gravidez. Após ter sido declarada como morta, foi colocada num caixão de muito baixa qualidade, pois ela era de uma familia pobre, e o seu corpo foi movido para a localidade da sua familia, a 6 milhas de Edimburgo. Com o movimento da carroça e o ar que entrava pelas frestas do caixão barato, Maggie acordou, para horror de toda a sua família.
Este milagre foi considerado como um perdão de Deus aos olhos da Lei, e como tal foi absolvida de todos os crimes. O seu marido reconciliou-se com ela, e levou-a de volta a casa. Maggie viveu por mais 40 anos e teve vários filhos legítimos.
O povo de Edimburgo olhava-a com admiração e a tratava por Maggie meia-enforcada (half hangit Maggie).
A última execução pública em Edimburgo
As opiniões sobre condenação à morte são muito variadas, há quem concorde em casos extremos, há quem ache que matar outro ser humano nunca deveria ser considerado como uma alternativa. Mas opiniões à parte sobre a condenação, as opiniões sobre execuções públicas tendem a ser mais unanimes. E por vezes, é preciso um caso de horror para terminar com um espectáculo de morte.
O caso da última execução pública em Edimburgo foi tão horrífico que hoje em dia faz parte da história da cidade, e é uma das histórias que são contadas nas visitas guiadas por Edimburgo à noite.
A vida de George Bryce não tinha muito de interessante. Era uma pessoa de origens simples, mas que bebia muito. Devido ao seu trabalho conheceu Isabelle, uma jovem por quem ele se apaixonou. No entanto o romance não foi do agrado de uma amiga próxima de Isabelle, que a recomendou a terminar a relação devido ao problema de álcool de George.
Isabelle fez o que a amiga lhe sugeriu, e terminou a relação com George, ao que lhe contou os motivos e quem lhe tinha incentivado a terminar a relação. Com raiva, George invadiu o local de trabalho de Seton, a amiga de Isabelle, e tentou estrangulá-la perante várias testemunhas, que os separaram e imobilizaram George.
Seton fugiu, mas George conseguiu escapar e apanhou-a em frente à porta de uma casa, onde lhe cortou a garganta com uma navalha. George fugiu, mas foi apanhado na manhã seguinte onde não ofereceu resistência.
Devido à brutalidade do crime, a história espalhou-se bem rápido, e claro com algumas variantes da verdade. George sabia que com tantas testemunhas o seu julgamento seria claro, como tal declarou-se como culpado para evitar a morte certa. No entanto foi mesmo isso que aconteceu.
Apesar de na altura os enforcamentos públicos já não eram tão frequentes, neste caso centenas se juntaram para assistir à sua execução. Corda à volta do pescoço, abre o alçapão. E ele morre. Mas não foi assim que aconteceu…
Com as reformas da altura, os condenados a enforcamento de crimes em Edimburgo eram enviados para outras vilas e cidades, como tal não existia um carrasco na cidade. Então contrataram alguém para executar a pena de George, e foram para alguém não qualificado e a menor custo.
Por incrível que possa parecer, qualificações para executar uma pessoa são de facto importantes. E neste caso em concreto, a falta de qualificações deste carrasco resultaram num dos episódios mais traumáticos na histórica de Edimburgo.
O carrasco não teve em conta o tamanho de corda necessária para que a queda com a forca resultasse numa morte rápida. George ficou vários minutos em sofrimento com a corda à volta do pescoço, enquanto a população observava esse episódio de horror.
Aos poucos, a opinião mudava, o que antes era uma vontade de ver alguém que cometeu um crime horrendo pagar com a sua própria vida, passou a ser uma revolta geral de fazer alguém sofrer tanto quando a sua morte deveria ser rápida.
Este episódio ditou o fim das execuções públicas em Edimburgo de uma vez por todas.
A Caça às bruxas
A caça às bruxas é uma das histórias que se conta nos passeios por Edimburgo à noite. Durante uma época as acusações por bruxaria foram frequentes. Qualquer razão poderia ser um motivo para condenar alguém por bruxaria, e muitos inocentes foram mortos durante esta purga.
Algumas histórias nos foram contadas sobre a forma como “inocentavam” as bruxas. Com os polegares atados aos tornezelos, atiravam-nas para o lago. Caso flutuassem, então seriam condenadas por bruxaria. Caso contrário, seriam inocentadas. Claro está, em ambos os casos essas pessoas acabariam por morrer, e não há registo de nenhuma pessoa que tenha flutuado…
Edimburgo foi uma experiência muito interessante, descobrir tantas coisas sobre uma cidade tão bela, e aprender mais sobre um passado bem negro. Uma cidade que recomendo vivamente a visitarem, e claro, a não deixar de conhecer bem mais sobre o que aquelas ruas encantadoras escondem…
Leave a Reply