Flåm é uma pequena vila na zona dos fiordes noruegueses. Mas comparando com as muitas vilas norueguesas destas zonas entre montanha e mar, não é assim tão invulgar. O que faz desta vila tão especial e turística? A viagem de comboio para lá chegar!
Aquela letra estranha, que parece ter um º em cima da letra “a” produz um som bastante parecido (ou igual) ao nosso “ó”. Muita gente pronuncia o nome da vila mal, e depois quando viaja pela Noruega confunde-se um pouco quando ouve a palavra dita como deve de ser.
O meu interesse em visitar esta vila começou pelo facto de querer fazer uma das viagens de comboio que tenho nesta lista de viagens épicas de comboio a fazer pela Europa. O plano foi feito com uma amiga, e ou era a Noruega ou a Suíça, também para fazer uma viagem de comboio (que mais tarde acabei por fazer). Comparámos preços, e a forma mais fácil de chegar a estes destinos, e a Noruega saiu vencedora.
A viagem de Oslo a Flåm
Uma viagem sem incidentes quase que nem tem muito interesse partilhar. Partilhar uma viagem dessas é simplesmente partilhar itinerários bonitos, algumas dicas, mas fica a faltar o factor pessoal de uma viagem. Felizmente (ou não), esta viagem ficou marcada por vários incidentes, mas terminou tudo bem!
Quando decidimos para onde iríamos, dividimos algumas tarefas. E uma delas foi a responsabilidade de marcar o alojamento. Isso é sempre uma tarefa à qual eu não gosto de ficar responsável, pois sei que durmo bem em qualquer lugar e os meus critérios são bem baixos. Então prefiro que seja a outra pessoa a decidir, pois sei que não me irei importar…, a não ser que…
Desventuras em Oslo
Como iríamos chegar já tarde a Oslo, decidimos que a primeira noite seria na capital. Aliás, nem sei se seria possível termos transporte até Flåm às horas em que chegámos à Noruega.
Ao chegarmos a Oslo fomos directamente para o hostel. O plano seria largarmos a bagagem, e depois ir jantar a algum lado ou mesmo passear um pouco pela cidade à noite. Mas sabíamos que teríamos de acordar bem cedo para apanharmos o primeiro comboio do dia.
Já no hostel, ficamos a saber que não existe marcação para nós… Mas sabíamos que a marcação tinha sido feita, tínhamos o comprovativo. Como estávamos na capital, nem fiquei minimamente preocupado. Certamente que iríamos encontrar uma opção B. Mas ainda assim, tentámos perceber o que aconteceu…
Acontece que a minha amiga reservou alojamento em Oslo, mas para a noite seguinte!! A noite em que iríamos ficar em Bergen!! Ou seja, a marcação existia, mas para a noite errada! A primeira coisa que fomos confirmar foi se a marcação de Bergen também estava para a noite errada, mas felizmente estava tudo bem. Basicamente, tínhamos reservas para a mesma noite em cidades diferentes (e bem distantes), mas sem reserva para a primeira noite…
No hostel disseram-nos que estavam já lotados, mas para não nos preocuparmos que eles iriam resolver o problema. Com a maior das descontrações, a recepcionista disse-nos que existem sempre “no shows” e que podíamos passar a noite sem problema! Foi um pouco bizarro para nós, darem-nos logo duas camas, num hotel lotado, com a premissa de que pelo menos duas pessoas não iriam aparecer… Verdade seja dita, ninguém nos expulsou a meio da noite!
De comboio até Flåm
A viagem de comboio de Oslo até Flåm dura cerca de 6 horas e meia, em dois comboios. O primeiro cerca de 5 horas, e o segundo comboio cerca de 1 hora. Mas é a segunda parte da viagem que atrai mais turistas, devido ao facto de ser tão especial. No entanto, a primeira parte também é bem bonita, e recomendo vivamente a fazerem essa viagem de comboio.
Mas continuando com as desventuras, a viagem de comboio até Myrdal (a estação onde a linha de Flåm começa) foi um pouco conturbada…
A primeira hora foi bem tranquila, ficámos numa carruagem sem mais ninguém. Só eu e a minha amiga, cada um junto a uma janela a apreciar as vistas! Magnífico, calmo, e com aquele sentimento misto de excitação e paz interior. Mas passado cerca de uma hora, tudo mudou…
Uma família entrou na carruagem, cerca de 12-14 pessoas, com umas 6 crianças. O sossego terminou ali até ao final da viagem. De realçar que a carruagem é grande, e é perfeitamente possível respeitar todas as pessoas que estão naquele espaço. Mas esse conceito aparentemente não existe para aquela família. As crianças saltavam bancos, corriam, entravam para as nossas filas e até nos empurravam para poderem brincar às escondidas. E nós? A perdermos a paciência. Ao ponto de termos de elevar a voz e dizer “STOP”.
Mas e os adultos? Simplesmente nos olhavam de lado, sem repreenderem as crianças por estarem a incomodar outras pessoas. Sinceramente, essa foi a parte que mais me incomodou. Crianças são crianças, mas os adultos deveriam impor alguns limites no que respeita a incomodarem outras pessoas.
Quanto à paisagem? Magnífica! E bem interessante, pois fomos no primeiro fim-de-semana de Junho, estávamos de t-shirt e a sentirmos uma temperatura agradável, mas tudo branco lá fora! Até quando parámos nem sentimos frio, apesar de ainda existir neve.
De Myrdal a Flåm
Este trecho da viagem é a parte mais especial. Vistas de cortar o fôlego, com paragem numa grande cascata que cai mesmo junto à linha de comboio, e a descer 867 metros por uma linha única.
Sabendo que esta seria a parte mais importante para nós, a primeira coisa que decidimos assim que saímos do primeiro comboio foi: ir para longe da outra família!! Aquele troço da viagem é bastante popular, e essa viagem de 1 hora foi com o comboio sempre cheio.
Existem dois patamares de bilhetes, primeira e segunda classe. Mas os lugares não são marcados, ou pelo menos não o são em segunda classe. Ou seja, ao entrarem é tentarem encontrar um bom lugar, e seja qual o lado que escolherem vão ter vistas deslumbrantes, mas também não irão conseguir ver tudo se continuarem sentados. Muita gente acaba por se levantar para aproveitar as vistas dos dois lados, o que acaba por ser uma grande confusão.
O que é que faz desta linha uma rota tão especial? O facto de ser um “milagre” de engenharia. Como disse antes, o comboio desce 867 meters, isto ao longo de 20 km. Mas na primeira parte a descida é bastante acentuada, e por dentro de vários túneis. Para ser ainda mais preciso, são 20 túneis ao longo desta rota. Um desses túneis demorou 11 anos a ser contruído, e tem o comprimento de aproximadamente 1300 metros.
A parte mais complicada da construção foram mesmo os túneis, e dos 20 túneis construídos, apenas em 2 usaram maquinaria, os outros 18 foram todos “escavados” sem recurso a maquinaria.
Ainda perto do início da rota, uma das primeiras paragens é mesmo junto a uma magnífica cascata. Aí o comboio para por uns minutos, onde podemos sair para tirar algumas fotos.
Ao longo da viagem é possível vermos o vale de Flåm, algumas partes da rota antiga, e sempre acompanhados por informações audio com detalhes sobre a rota em si e as paragens onde estamos.
A certa altura o declive deixa de ser tão acentuado, quando já estamos dentro do vale a caminho da pequena aldeia.
A viagem de Flåm a Bergen
Depois de uma pequena paragem em Flåm, de cerca de 2 horas, seguimos viagem em direcção a Bergen. Devo confessar que este dia foi demasiado puxado, muitas experiências num só dia e uma viagem muito longa. Mas a viagem não terminou em Flåm, para tentarmos aproveitar ao máximo o fim-de-semana prolongado que tínhamos, seguimos directamente para Bergen de ferry.
Mas antes de seguirmos viagem, tentámos aproveitar um pouco da pequena aldeia. Com apenas 2 horas não deu para muito, comemos comida de rua bem cara (a Noruega é cara…), e ficámos um pouco junto à praia a admirar a entrada no fiorde. Para registrar o momento, fui molhar os pés naquela água gélida!
Se quiserem aproveitar Flåm um pouco melhor, existe um museu da linha férrea e de história da aldeia. E também têm algumas excursões e outras experiências na área, como visitar um miradouro ou um passeio pelos fiordes.
Como tínhamos pouco tempo, acabámos por relaxar um pouco, e depois seguimos viagem de ferry passando por vários fiordes noruegueses. Aquelas vistas são fantásticas…, o ferry foi uma forma mais barata de fazermos aquele troço da viagem, e ainda assim termos a possibilidade de estarmos nos fiordes. Mas existem outras opções mais orientadas ao turista, em que podemos entrar em alguns dos fiordes considerados como Património da Humanidade.
Acho que não conseguimos aproveitar tão bem aquele percurso como seria merecido por estarmos tão cansados. Ainda assim, estivemos muito tempo na rua a tirar fotografias e a admirarmos os vários braços dos fiordes e as muitas cascatas que escorrem por aquelas escarpas abaixo até ao mar. Ficámos bem abismados com tamanha beleza, e apesar do cansaço, foi uma experiência bem singular. Já para o final acabámos por entrar para dentro da cabine, bem mais cansados e simplesmente a desfrutar das vistas pela janela. Afinal de contas, ainda foi uma viagem de 5 horas dentro do ferry!
A viagem de Bergen a Oslo
Foi mesmo um dia muito longo! Depois de 6 horas de comboio e 5 horas de ferry, isto depois de acordar bem cedo, chegar a Bergen foi como que uma vitória!
As energias estavam a acabar, mas ainda conseguimos encontrar uma réstia de energia para explorarmos um pouco da cidade. Tinha mesmo de ser, ou aproveitávamos naquele final de tarde, ou então já não dava. Na manhã seguinte a viagem de regresso começava logo bem cedo.
Fomos jantar à beira-mar, claro que foi caro, mas foi bem merecido! Afinal de contas estávamos de férias. E depois fomos dar uma pequena volta pela zona marginal e um pouco para os locais que nos pareceu serem de mais interesse.
Regresso a casa com passagem por Oslo
A visita a Bergen foi demasiado rápida, mas o objectivo da viagem nunca foi visitar cidades, mas sim a viagem em si. Passear na Linha de Flåm e passear pelos fiordes. E também para sentirmos um pouco o gosto da Noruega além de Oslo. Missão cumprida, e voltámos bem satisfeitos!
Em Oslo também ficámos poucas horas, nem sequer passámos uma noite lá depois de Bergen. Ao todo só ficámos duas noites na Noruega, a primeira em Oslo e depois uma noite em Bergen.
O regresso a Oslo foi também de comboio, mas desta vez sem mudanças. O comboio foi cheio durante quase a totalidade da viagem, e com vários turistas. A viagem teve uma duração de quase 7 horas, mas atravessámos o país desde o Mar da Noruega ao Estreito de Escagerraque.
Curiosidades sobre a Linha de Flåm
A Linha de Flåm tem várias características que a torna num trecho único no mundo. Talvez o mais notório é o facto de ser a linha de catenária regular com o maior declive no mundo! Cerca de 80% do percurso tem um declive de 5,5%!
Ao longo de 20 km, entre Myrdal e Flåm, a viagem de cerca de 1 hora passa por 20 túneis que vão cortando a montanha em várias curvas e expirais.
A linha que existe hoje em dia demorou vários anos a ser construída. Desde que a ideia foi proposta até ser aprovada demorou 40 anos, com uma previsão de cerca de 22 mil passageiros por ano. Mas demorou mais 16 anos até a construção começar, em 1924. 18 dos 20 túneis foram escavados sem o auxílio de maquinaria. Cada metro destes túneis demorava em média 1 mês a ser escavado. Ao todo foram escavados 5691 metros, portanto não é de surpreender que a obra tenha demorado tantos anos.
Em 1940 a linha estava finalmente completa, mas só em 1941 os primeiros passageiros puderam usufruir desta linha em comboios a vapor. E a partir de 1947, já em comboios eléctricos.
Se em 1908 estimavam 22 mil passageiros por ano, em 2015 já contava com 800 mil passageiros anuais!
Esta informação e muito mais sobre a zona de Flåm pode ser explorada em mais detalhe no pequeno Museu Ferroviário de Flåm, que fica mesmo na estação de comboios.
Onde ficam Flåm e Bergen?
Flåm é uma pequena vila num dos muitos braços dos fiordes noruegueses na zona Oeste do país. A melhor forma de lá chegar é mesmo de comboio, mas a partir de Bergen também podem chegar via ferry.
E Bergen fica ainda mais a oeste, já junto ao Mar da Noruega. Podem lá chegar de avião, tem um pequeno aeroporto. Ou então também de comboio, com ligação directa a Oslo.
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